Associação Paulista de Conservadores Restauradores de Bens Culturais

Código de Ética

INTRODUÇÃO
CÓDIGO DE ÉTICA DO CONSERVADOR-RESTAURADOR
1. Relação com os bens culturais
2. Pesquisa e documentação
3. Relação com proprietário ou responsável legal
4. Relação com o público
5. Relação com colegas e com a profissão

INTRODUÇÃO

Conservar e restaurar obras do patrimônio histórico, artístico e cultural é uma profissão que requer de quem a ela se dedica extensa cultura, treinamento e aptidões especiais.

Aos cuidados destes profissionais são entregues bens culturais que constituem herança material e cultural da sociedade. Por bens culturais entendemos aqueles objetos a que a sociedade atribui particular valor artístico, histórico, documental, estético, científico, espiritual ou religioso. A sociedade atribui ao conservadorrestaurador o cuidado destes bens, o que exige grande senso de responsabilidade moral, além da responsabilidade em relação ao proprietário ou responsável legal, a seus colegas e a seus supervisores, à sua profissão, ao público e à posteridade.

Entendemos preservação de modo abrangente, compreendendo todas as ações que visam retardar a deterioração e possibilitar o pleno uso dos bens culturais. Conservação-restauração seria o conjunto de práticas específicas, destinadas a estabilizar o bem cultural sob a forma física em que se encontra, ou, no máximo, recuperando os elementos que o tornem compreensível e utilizável, caso tenha deixado de sê-lo. Por conservação preventiva designamos o conjunto de ações não-interventivas que visam prevenir e/ou retardar os danos sofridos, minimizando o processo de degradação dos bens culturais.

O papel fundamental do conservador-restaurador é a preservação dos bens culturais para benefício da atual geração e das gerações futuras. Para tal, este profissional realiza diagnóstico, tratamentos de conservação e restauração dos bens culturais, a respectiva documentação de todos os procedimentos, além do estabelecimento de atividades referentes à conservação preventiva.

É ainda da competência do conservador-restaurador:
Desenvolver programas de inspeção e ações de conservação e restauro.
Emitir pareceres técnicos e dar assistência técnica para a conservação e restauro dos bens culturais.
Realizar pesquisas sobre a conservação e restauro. (materiais e métodos).
Desenvolver programas educacionais, de treinamento, e lecionar conservação e restauro.
Disseminar informação obtida através do diagnóstico, tratamento ou pesquisa.
Promover conhecimento e maior entendimento sobre conservação e restauro.

O conservador-restaurador não é artista, nem artesão. É um profissional de nível superior, que pode ser oriundo das áreas de ciências humanas, exatas ou biológicas. O artista e o artesão criam, dominam as técnicas e podem conhecer bem os materiais, mas não possuem a formação, nem dispõem de conceitos fundamentais para a intervenção em bens culturais.

O presente código visa estabelecer normas e princípios que orientem o conservador-restaurador na boa prática de sua profissão.

CÓDIGO DE ÉTICA DO CONSERVADOR-RESTAURADOR

1. Relação com os bens culturais

1. Toda a atuação do conservador-restaurador deve ser orientada pelo absoluto respeito ao valor e significado estético e histórico, bem como à integridade física dos bens culturais que lhe estejam afetos.

2. O conservador-restaurador deve contratar e empreender apenas os trabalhos que possa realizar com segurança, dentro dos limites de seus conhecimentos e dos equipamentos de que dispõe, a fim de não causar danos aos bens culturais, ao meio ambiente ou aos seres humanos.

3. Sempre que for necessário ou adequado, o conservador-restaurador deve consultar especialistas de qualquer uma das atividades que lhe complementem a atuação, envolvendo-os em ampla troca de informações.

4. Em qualquer situação de emergência onde um bem cultural esteja em perigo iminente, o conservador-restaurador deve dar toda a assistência possível, independentemente de sua área de especialização.

5. O conservador-restaurador deve levar em consideração todos os aspectos relativos à conservação-preventiva, antes de intervir em quaisquer bens culturais e sua iniciativa deverá restringir-se apenas ao tratamento necessário.

6. O conservador-restaurador, em colaboração com outros profissionais relacionados com a salvaguarda dos bens culturais, deve levar em consideração a utilização econômica e social dos bens culturais, enquanto salvaguarda desses mesmos bens.

7. Em qualquer trabalho executado em um bem cultural o conservadorrestaurador deve envidar esforços para atingir o máximo de qualidade de serviço, recomendando e executando aquilo que julgar ser o melhor no interesse do bem cultural, independente de sua opinião sobre o valor ou qualidade do mesmo e sempre de acordo com o princípio do respeito e da mínima intervenção possível.

8. É obrigação do conservador-restaurador realizar intervenções que permitam, no futuro, outras opções e/ou futuros tratamentos, não devendo a forma de utilização e os materiais aplicados interferir, sempre que possível, com futuros diagnósticos, tratamentos ou análises. Os materiais aplicados devem ser compatíveis com aqueles que constituem os bens culturais e devem ser evitados produtos e materiais que ponham em risco a integridade da obra.

9. O conservador-restaurador nunca deve remover materiais originais ou acrescidos dos bens culturais, a não ser que seja estritamente indispensável para a sua preservação, ou que eles interfiram em seu valor histórico ou estético. Neste caso será retirada uma amostra, que embora mínima, possibilite a identificação do problema. Para tal, será solicitado o consentimento do proprietário ou responsável legal. O material removido deve ser, se possível, conservado, como parte da documentação do bem cultural.

10. Na compensação de acidentes ou perdas, o restaurador não deve, eticamente, encobrir ou modificar o que existe do original, de modo a não alterar suas características e condições físicas após o evento.

11. É responsabilidade do conservador-restaurador manter-se atualizado frente ao progresso, as pesquisas e inovações desenvolvidas em seu campo de trabalho, bem como buscar constantemente o aprimoramento de seu discernimento, bom senso, habilidades e perícia.

12. Sendo responsável pela proteção, guarda e preservação do objeto que lhe foi confiado, o conservador-restaurador não deve contratar, ou admitir em sua equipe, pessoas insuficientemente treinadas, a não ser que possa estar permanentemente presente na constante supervisão dos trabalhos.

13. Nos casos em que a utilização ou exposição de um bem cultural seja prejudicial à sua preservação, o conservador-restaurador deve alertar o proprietário ou seu responsável legal dos riscos a que este está submetido. Havendo necessidade de reproduzir uma obra removida de seu local de origem, esta reprodução deverá ser feita por um especialista, evitando o uso de materiais e procedimentos nocivos à obra original.

2. Pesquisa e Documentação

14. Antes de iniciar qualquer ação ou intervenção em uma obra o conservadorrestaurador deve colher todas as informações capazes de gerar e salvaguardar o conhecimento a seu respeito, além de levar a cabo um acurado exame de sua composição e estado de conservação, recorrendo para isto, se necessário, a instituições e técnicos de outras áreas, nacionais ou internacionais. Os resultados desse exame devem ser extensamente anotados e documentados, fotograficamente, por meio de gráficos, mapas, tabelas e análises estatísticas. Baseado nestes dados, o restaurador elaborará um relatório sobre a peça e estabelecerá o procedimento a ser seguido, o qual deverá ser apresentado ao proprietário ou guardião legal do bem.

15. Durante o tratamento devem ser anotadas todas as intervenções de conservação-restauração, como produtos químicos (com a proporção ou percentagem de cada componente, da mistura) e técnicas empregadas, seus efeitos e resultados, bem como quaisquer informações consideradas relevantes. A documentação fotográfica deverá acompanhar os passos mais expressivos do tratamento e registrar o efeito final da obra após o término do trabalho.

16. Esta documentação poderá ser apresentada em congressos ou publicada em periódicos técnicos. Deverá, ainda, ser fornecida sob a forma de relatório, ao proprietário ou responsável legal pelo bem cultural, aos curadores de museus e instituições. Entretanto, no caso de pessoas sem o devido conhecimento técnico, não é aconselhável o fornecimento da listagem de materiais químicos e detalhamento de sua utilização, a fim de evitar possíveis danos causados pelo uso inadequado.

17. Toda esta documentação comporá um dossiê, propriedade intelectual do conservador, que passará a ser parte integrante do bem cultural em questão.

3. Relação com proprietário ou responsável legal

18. O restaurador tem a liberdade de contratar seus serviços com particulares, instituições, órgãos governamentais etc, contanto que este contrato ou acordo não contrarie os princípios aqui definidos e tendo a liberdade de escolha do critério técnico e filosófico de restauro, que julgar mais adequado à obra

19. O estabelecimento da remuneração por um trabalho a ser realizado deve ser justo, tendo em vista o respeito ao proprietário ou responsável legal e à profissão. Para estabelecer um preço é correto considerar:

  • tempo e mão de obra necessários
  • custo do material a ser empregado
  • despesas fixas
  • custos de análises científicas e pesquisas históricas
  • custo de seguro (se houver)
  • grau de dificuldade do tratamento a ser executado
  • riscos pessoais e insalubridade
  • problemas advindos do tratamento de objeto de excepcional valor
  • despesas com embalagem e/ou transporte
  • preço de mercado para trabalhos semelhantes
  • periodicidade do serviço: permanente ou esporádico.

20. A situação financeira do proprietário não justifica a elevação do preço em relação ao trabalho executado.

21. O conservador-restaurador não deve supervalorizar nem desvalorizar seus serviços. A peculiaridade de cada caso impede o estabelecimento de tabelas de padronização de tarifas a serem cobradas.

22. Alterações no custo de um serviço contratado, bem como modificações no tratamento previsto, só podem ser feitas com o conhecimento e aquiescência do proprietário ou responsável legal.

23. O conservador-restaurador deve ter em mente que o proprietário ou responsável legal é livre para selecionar, sem influências ou pressões, o serviço do restaurador ou restauradores de sua confiança e com a mesma liberdade trocar de um para outro. Entretanto, uma vez o serviço contratado verbalmente ou por escrito, nenhuma das partes pode eticamente romper este contrato, a não ser de comum acordo.

24. Tendo em vista que raramente o proprietário tem suficiente conhecimento para julgar o que se faz necessário para a conservação da obra que possui, o conservador-restaurador deve com sinceridade e honestidade expor o tratamento que considera adequado ao caso. Pela mesma razão deve se negar a realizar ações que sejam requisitadas, mas que possam por em risco, desfigurar, ou comprometer a integridade e autenticidade da obra.

25. O conservador-restaurador deve informar o proprietário ou responsável legal sobre os meios adequados para a sua manutenção futura, incluindo questões referentes ao transporte, manuseio, armazenagem e exposição.

26. Uma vez solicitado a executar um trabalho, o conservador-restaurador deve estabelecer um prazo aproximado para término e devolução da obra, e fazer o possível para respeitá-lo.

27. Mesmo considerando que o conservador-restaurador empregue o máximo de seus conhecimentos e de sua habilidade para conseguir os melhores resultados no tratamento de uma obra, não seria excessivo o fornecimento de garantia pelo serviço realizado. Isto, entretanto, não impede que o mesmo se prontifique a corrigir alterações não previstas ou prematuras que possam ocorrer, desde que estejam observadas as recomendações de 6 conservação mencionadas no “item nº25” deste documento, sem que para isto cobre remuneração extra.

28. O conservador-restaurador é obrigado a manter confidencialidade profissional. Sempre que queira fazer referência a um bem cultural deve obter o consentimento do proprietário ou legal responsável, salvo para fins didáticos ou científicos.

4. Relação com o público

29. O conservador-restaurador deve usar as oportunidades que se apresentarem para esclarecer o público sobre as práticas de preservação e as razões e meios da restauração.

30. O conservador-restaurador, quando solicitado, deve prestar esclarecimentos e dar conselhos àqueles que forem vítimas de práticas negligentes ilegais ou antiéticas, salvaguardando a honorabilidade da profissão.

31. Fazer “expertise” ou autenticação remunerada não é considerada atividade apropriada ou ética para um conservador-restaurador, embora seu trabalho de exame e restauração de uma obra o tornem habilitado a contribuir para o conhecimento de sua história e autenticidade.

32. Propaganda feita através de jornais, revistas etc, não é condenável desde que não envolva comparação de habilidades ou preços com outros profissionais.

5. Relação com colegas e com a profissão

33. O conservador-restaurador deve manter um espírito de respeito aos colegas e à profissão.

34. O conservador-restaurador deve, dentro dos limites do seu conhecimento, competência, tempo e meios técnicos, participar da formação de estagiários e assistentes. Os direitos e objetivos do instrutor e do aprendiz devem ser claramente estabelecidos por ambos, que firmarão um acordo formal, do qual constarão itens como remuneração, duração do treinamento e áreas de abrangência do mesmo. Do certificado a ser emitido devem constar nome da instituição e do responsável pelo curso ou estágio, conteúdo do aprendizado e carga horária. O conservador-restaurador é responsável pela supervisão do trabalho realizado pelos assistentes e estagiários, devendo responsabilizar-se igualmente pelo resultado deste trabalho.

35. O conservador-restaurador contribuirá, compartilhando suas experiências e conhecimentos, com os colegas de profissão. O criador de novos métodos de tratamento ou novos materiais prestará esclarecimentos sobre a composição e as propriedades de todos os materiais e técnicas empregadas, salvaguardados os direitos de patentes de propriedade do criador. Os registros relativos à conservação e restauração pelos quais o conservador-restaurador é responsável são a sua propriedade intelectual.

36. O conservador-restaurador não deve dar referências ou recomendação de uma pessoa candidata a um posto de profissional a não ser que esteja absolutamente seguro do treinamento, experiência e habilidade que a qualifiquem para tal.

37. Se no decorrer de um tratamento o restaurador se defrontar com problemas que lhe suscitem dúvidas ou incertezas, este deve, sem hesitação e apoiado pelos preceitos da ética profissional, recorrer a outro colega que o auxilie na solução do problema.

38. É considerado anti-ético dar comissão a outro conservador ou qualquer outra pessoa pelo encaminhamento ou recomendação de um cliente. A divisão de remuneração só é aceitável quando existe a divisão de tarefas.

39. Nenhum membro de qualquer uma das associações profissionais da área pode emitir parecer ou falar em nome destas, a não ser quando para isto designado por votação efetuada em reunião da diretoria e/ou instâncias apropriadas de cada associação.

40. Caso surjam situações não mencionadas neste documento, o conservadorrestaurador deverá consultar-se com as associações representativas da categoria.

O presente texto foi elaborado a partir dos Códigos do International Council of Museums – ICOM, do American Institute of Conservation – AIC, do European Federation of Conservator-Restorers’ Organizations – ECCO e de DUVIVIER, Edna May de A, Código de Ética: um enfoque preliminar, in: Boletim da Associação Brasileira de Conservadores-Restauradores de Bens Culturais – ABRACOR, Ano VIII, N. 1 – Julho/1988, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Participaram da elaboração e discussão para aprovação do texto final do Código de Ética acima exposto nos dias 27 de abril de 2005, 20 de junho de 2005, 16 de setembro de 2005 e 16 de novembro de 2005, os seguintes profissionais, conforme atas registradas: Ana Maria do Prado: Arquiteta, Conservadora Restauradora de pintura de cavalete. Diretora Administrativa da APCR,
Antonio Luis Ramos Sarasá: Conservador Restaurador de patrimônio edificado,
Denise Magda Correa Thomasi: Conservadora Restauradora de acervos fotográficos.Presidente da ACCR,
Denise Zanini: Conservadora Restauradora de papel. Vice-presidente da ARCO IT.
José Dirson Argolo: Professor da cadeira de Restauração da Escola de Belas Artes da UFBA e diretor do Studio Argolo Antiguidades e Restaurações Ltda.
Lygia Maria Guimarães: Chefe do Núcleo de Conservação e Preservação de Acervos Arquivísticos e Bibliográficos – NUCON/COPEDOC/IPHAN, RJ. Presidente da ABRACOR,
Márcia de Mathias Rizzo: Conservadora Restauradora de pinturas. Diretora Técnica da empresa MRizzo, Laboratório de Conservação Restauração de Bens Culturais Ltda.
Maria de los Angeles Fanta: Conservadora Restauradora pintura de cavalete e papel. Presidente da APCR,
Naida Maria Vieira Correa: Conservadora Restauradora de pinturas e papel. Presidente da ACOR RS,
Norma Cianflone Cassares: Conservadora Restauradora de papel. Presidente da ABER
Oriete Heloisa Cavagnari: Conservadora Restauradora de materiais pétreos, cerâmica arqueológica, escultório e arquitetura. Presidente da ARCO IT,
Regina Célia Martinez: Advogada, Mestre e Doutora em Direito, Consultora Jurídica e Professora Universitária,
Solange Zúñiga: Administração da Conservação. Doutora em Ciência da Informação pela UFRJ. Vice-presidente da ABRACOR
Stephan Schaefer: Conservador Restaurador, Cientista da Conservação, Professor Universitário do curso de Licenciatura em Conservação e Restauro da Universidade Nova de Lisboa, Portugal.
Tatiana Caliare: Conservadora Restauradora de madeira, pintura de cavalete e mural. Presidente da câmara técnica de ARCO IT.
Valéria Mendonça: Conservadora Restauradora. Chefe do Laboratório de Restauro da Pinacoteca do Estado de SP.